O “Tempo Comum” na liturgia da Igreja é um tempo próprio de reflexão sobre nossa vida. Nutridos na liturgia pascal, partimos, com a força do Espírito Santo, para a caminhada dos dias que se sucedem com suas alegrias e angústias, seus trabalhos, seus momentos em que tudo parece que vai às mil maravilhas a que se seguem tristezas e dor, ou vice-versa.
Lembro-me do quotidiano de Abraão e dos Patriarcas. No silêncio do deserto, nas longas noites de vigília a guardar o rebanho, procuravam no brilho das estrelas ou nas areias daquela terra ressecada, a sua razão de ser, buscavam o sentido do universo.
Não lhes satisfazia a crença comum dos adoradores dos astros ou das imagens grotescas que não tinham vida e nada significavam
No silêncio interior descobriram a Fonte da Vida, o Espírito que “move o sol e as outras estrelas” e que os acompanhava na vida, dando-lhes sentido. De geração em geração transmitiram essa fé que se realizaria na plenitude dos tempos, com a Encarnação do Verbo.
No meio do barulho ensurdecedor dos dias atuais, perdemo-nos nos descaminhos de uma civilização dispersiva, que não nos deixa tempo para pensar e, portanto, para viver como pessoas. É tudo um sufoco, uma correria, um desfrutar o instante, diluir-se em satisfação fragmentada, perdida a finalidade última.
E, no entanto, é neste ambiente, neste contexto, que o Reino de Deus deve se realizar em nós e por nós. É aqui que temos de ter a experiência de Deus. Concretizar o deserto dentro de nós e, no silêncio interior do nosso coração, nos encontrar com o Pai.
Jesus, censurando os fariseus que se exibiam em longas orações nas praças, recomendou que quando orássemos, nos recolhêssemos em nossos quartos. Há pouco, ouvi de um sacerdote que, no meio de todos os tumultos, podemos nos recolher ao nosso interior e aí sentirmos a presença de Deus. Isso podemos fazer a todo o momento, em meio a maior agitação.
O lugar da experiência de Deus é a nossa própria pessoa com todas as circunstâncias da vida que nos cercam. Santa Tereza dizia que Deus está sempre disposto a nos falar, mas o mundo faz tanto barulho que não o ouvimos. A experiência de Deus não é algo de estranho e tormentoso. Quando Elias, perseguido por sua fidelidade ao Senhor, refugiou-se nas grutas do monte Horeb, encontrou-se com Deus, não no rugir dos ventos ou no fragor da tempestade, mas na suavidade de uma brisa.
Experiência de Deus é o contato suave com Ele, Ouvir sua voz na plena disponibilidade de nosso coração. Às vezes, por ser um termo novo, ficamos pensando tratar-se de algo difícil, que demandaria um aprendizado.
Não, a experiência de Deus decorre de fé viva, de uma esperança e confiança completa em seu amor. É um Deus que nos mostra o seu rosto na face de seu Filho Redentor, como o mesmo Jesus disse a Tomé na ceia de despedida: “quem me vê, vê o Pai”. É um Deus que o mesmo Jesus nos mostra como nosso Pai, a quem podemos apresentar nossas dores e alegrias e de quem podemos ter a certeza que seu coração nos acolhe. “Lança tuas preocupações no Senhor e Ele te dará sustento” garante-nos o salmista.
Infelizmente, muitos fazemos como outrora os fariseus e nos perdemos em orações ditas “fortes” e em “correntes”, como que a impor a nossa vontade. Transformamos promessas como moeda de mercado.
Não seja assim nossa vida interior e a nossa oração. Procuremos o encontro com Deus na simplicidade do coração e na confiança que brota do lado de Cristo transpassado pela lança. Deixemos que seu Espírito desça sobre nós para irradiar o seu amor ao mundo.
Experimentar Deus é ter com Ele um diálogo permanente que nos santifique e, por nossa vida e ação santifique o mundo. A experiência de Deus nunca se fecha em nós mesmos. Elias, cansado em frente a tantos inimigos, pedira a Deus que o levasse. Mas, o encontro com Deus o levou a novas missões. Os místicos de nosso tempo não se enclausularam. Sua experiência de Deus se expande em missão. E o missionário que não tem intensa vida espiritual e de oração é como um sino que soa e cuja vibração se perde no espaço.
Convocados à missão, temos de viver a vida de discípulos e, seguir o exemplo de Jesus, viver em estreita união com Deus, experimentando a sua presença para manifestá-la a todos os homens.
Por Dom Eurico - 28/07/2008